Celtas
Celtas é a designação dada a um conjunto de povos (um
etnónimo), organizados em múltiplas tribos e pertencentes à família linguística
indo-europeia que se espalhou pela maior parte do Oeste da Europa a partir do
segundo milénio a.C.. A primeira referência literária aos celtas (Κελτοί) foi
feita pelo historiador grego Hecateu de Mileto no século VI a.C..
Boa parte da população da Europa ocidental pertencia às
etnias celtas até à eventual conquista daqueles territórios pelo Império
Romano; organizavam-se em tribos, que ocupavam o território desde a Península
Ibérica até à Anatólia. A maioria dos povos celtas foi conquistada, e mais
tarde integrada, pelos Romanos, embora o modo de vida celta tenha, sob muitas
formas e com muitas alterações resultantes da aculturação devida aos invasores
e à posterior cristianização, sobrevivido em grande parte do território por
eles ocupado.
Existiam diversos grupos celtas compostos de várias tribos,
entre eles os bretões, os gauleses, os escotos, os eburões, os batavos, os
belgas, os gálatas, os trinovantes e os caledónios. Muitos destes grupos deram
origem ao nome das províncias romanas na Europa, as quais mais tarde baptizaram
alguns dos estados-nações medievais e modernos da Europa.
Ornamento celta da Idade do Ferro (Museu Nacional da Antiguidade, Saint-Germain-en-Laye, França).
Os celtas são considerados os introdutores da metalurgia do
ferro na Europa, dando origem naquele continente à Idade do Ferro (culturas de
Hallstatt e La Tène), bem como das calças na indumentária masculina (embora
essas sejam provavelmente originárias das estepes asiáticas).
Outras regiões europeias que também se identificam com a
cultura celta são o País de Gales, uma entidade subnacional do Reino Unido, a
Cornualha (Reino Unido), a Gália (França, e Norte da Itália), o Norte de
Portugal e a Galiza (Noroeste da Espanha). Nestas regiões os traços
linguísticos celtas sobrevivem nos topónimos, nalgumas formas linguísticas, no
folclore e tradições.
A influência cultural celta, que jamais desapareceu, tem
mesmo experimentado um ciclo de expansão em sua antiga zona de influência, com
o aparecimento de música de inspiração celta e no reviver de muitos usos e
costumes conhecidos atualmente como celtismo.
Distribuição diacrônica dos povos celtas::
núcleo do território Hallstatt, por volta do século VI a.C.
expansão máxima dos celtas, por volta do século III a.C.
as "seis nações célticas" que mantiveram um número significativo de falantes celtas na Idade Moderna
áreas onde as línguas celtas continuam a ser faladas hoje
Nome
Na Antiguidade os celtas foram conhecidos por três
designações diferentes, pelos autores greco-romanos: celtas ,
em grego, gálatas e galos ou gauleses. Os romanos se referiam apenas aos celtas continentais como
celtae; os povos da Irlanda e das ilhas Britânicas, nunca foram designados por
celtas, nem pelos romanos nem por si próprios, eram chamados Hiberni
(hibérnios) e Britanni (bretões), respectivamente, e só começaram a ser
chamados celtas no século XVI d.C. No De Bello Gallico, Júlio César
comentou que o nome "celta" era a maneira pela qual os gauleses se
chamavam a si próprios na "língua celta" (lingua Celtae).Pausânias
comentou ainda que os gauleses não só se chamavam a si mesmos celtas como era
também por este nome que os outros povos os conheciam. A atestar este facto
temos evidência na epigrafia funerária na qual se confirma que havia povos
chamados celtas que se identificavam como tal, nomeadamente os Supertamarici.
Plínio, o Velho, registou que os habitantes de Miróbriga usavam o sobrenome de
Celtici: "Mirobrigenses qui Celtici cognominantur".
Demografia
As origens dos povos celtas são motivo de controvérsia,
especulando-se que entre 1900 e 1500 a.C. tenham surgido da fusão de
descendentes dos agricultores danubianos neolíticos e de povos de pastores
oriundos das estepes. Esta incerteza deriva da complexidade e diversidade dos
povos celtas, que além de englobarem grupos distintos, parecem ser a resultante
da fusão sucessiva de culturas e etnias. Na Península Ibérica, por exemplo,
parte da população celta se misturou aos iberos, o que resultou no surgimento
dos celtiberos.
Todavia, estudos genéticos realizados em 2004 por Daniel
Bradley, do Trinity College de Dublin, demonstraram que os laços genéticos
entre os habitantes de áreas célticas como Gales, Escócia, Irlanda, Bretanha e
Cornualha são muito fortes e trouxeram uma novidade: a de que, de entre todos
os demais povos da Europa, os traços genéticos mais próximos destes eram
encontrados na Península Ibérica.
Daniel Bradley explicou que a sua equipa propunha uma origem
muito mais antiga para as comunidades da costa do Atlântico: há pelo menos 6000
anos ou até antes disso. Os grupos migratórios que deram origem aos povos
celtas do Noroeste europeu teriam saído da costa atlântica da Península Ibérica
nos finais da última Idade do Gelo e ocupada as terras recém-libertadas da
cobertura glacial no Noroeste europeu, expandindo-se depois para as áreas
continentais mais distantes do mar.
O geneticista Bryan Sykes confirma esta teoria no seu livro
Blood of the Isles (2006), a partir de um estudo efetuado em 2006 pela equipa
de geneticistas da Universidade de Oxford. O estudo analisou amostras de ADN
recolhidas de 10.000 voluntários39 do Reino Unido e Irlanda, permitindo
concluir que os celtas que habitaram estas terras, — escoceses, galeses e
irlandeses —, eram descendentes dos celtas da península Ibérica que migraram
para as ilhas Britânicas e Irlanda entre 4.000 e 5.000 a. C.
Outro geneticista da Universidade de Oxford, Stephen
Oppenheimer, corrobora esta teoria no seu livro "The Origins of the
British" (2006). Estes estudos levaram também à conclusão de que os
primitivos celtas tiveram a sua origem não na Europa Central, mas entre os
povos que se refugiaram na Península Ibérica durante a última Idade do Gelo.
Estudos da Universidade do País de Gales defendem que as
inscrições encontradas em estelas no sudoeste da Península Ibérica demonstram
que os celtas do País de Gales vieram do sul de Portugal e do sudoeste de
Espanha
História
Teoria centro-europeia
A área verde na imagem sugere a possível extensão da área
(proto-)céltica por volta de 1000 a.C.. A área laranja indica a região de
nascimento da cultura de La Tène e a área vermelha indica a possível região sob
influência céltica por volta de 400 a.C. Vestígios associados à cultura celta
remontam a pelo menos 800 a.C., no Sul da Alemanha e no Oeste dos Alpes.
Todavia, é muito provável que o grupo étnico celta já estivesse presente na
Europa Central há centenas ou milhares de anos antes desse período.
Durante a primeira fase da Idade do Ferro céltica (do século
VIII a.C. ao século V a.C.), as sepulturas encontradas pelos arqueólogos
indicam o surgimento de uma nova aristocracia e de uma crescente estratificação
social. Essa estratificação aprofundou-se a partir do século VI a.C., quando
grupos do Norte da Europa e da região oeste dos Alpes entraram em contato
comercial com as colónias gregas fundadas no Mediterrâneo Ocidental.
O intercâmbio com os gregos, que chamavam aos celtas
indistintamente keltoi, é evidenciado pelas finas peças de cerâmica gregas
encontradas nos túmulos. É igualmente provável que os gregos tenham adoptado o
costume de armazenar o vinho em vasos de cerâmica após os contatos com os
celtas, que já os utilizavam como forma de armazenamento de provisões.
Os objetos inumados das sepulturas comprovam que o comércio
dos celtas se estendia a regiões ainda mais afastadas, tendo sido encontradas
peças de bronze de origem etrusca e tecidos de seda seguramente oriundos da
China.
A partir do século V a.C., verifica-se um deslocamento dos
centros urbanos celtas, até então localizados ao longo dos rios Ródano, Saona e
Danúbio, evento associado a segunda fase da Idade do Ferro europeia e ao
desenvolvimento artístico da cultura La Tène. As sepulturas deste período
apresentam armas e carros de combate, embora sejam menos ricas do que as do
período pacífico anterior, provavelmente, reflexo da sua fase de maior
expansão, quando invadiram o Sul da Europa após 400 a.C..
Em 390 a.C. os celtas invadiram o Norte da península Itálica
(Gália Cisalpina) e saquearam Roma. Por volta de 272 a.C., pilharam Delfos na
Grécia. As hostes celtas conquistaram territórios na Ásia Menor, nos Balcãs e
no norte da Itália, onde o contingente mais numeroso era o dos gauleses.
Os golpes finais na dominância celta ocorrem no século I
a.C., quando Júlio César conquista a Gália, e no século I d.C., quando o
imperador Cláudio domina a Bretanha. Somente a Irlanda e o norte da Escócia,
onde viviam os escotos, permaneceram fora da zona de influência direta do
Império Romano.
Teoria da idade do bronze atlântica
Língua
As línguas célticas derivam de dois ramos indo-europeus do
grupo denominado centum: o celta-Q (goidélico), mais antigo, do qual derivam o
irlandês, o gaélico da Escócia e a língua manx da Ilha de Man, e o celta-P
(galo-britânico), falado pelos gauleses e pelos habitantes da Bretanha, cujos
descendentes modernos são o galês (do País de Gales) e o bretão (na Bretanha).
Os registos mais antigos escritos numa língua celta datam do século VI a.C..
As informações atualmente disponíveis sobre os celtas foram
obtidas principalmente através do testemunho dos autores greco-romanos. Isto
não permite traçar um quadro completo e imparcial do que foi a realidade
quotidiana desses povos.
O chamado "alfabeto das árvores" ou Ogham surgiu
apenas por volta de 400 d.C.
Edward Lhuyd identificou em 1707 uma família de línguas ao
notar a semelhança entre o irlandês, o bretão, o córnico e o galês e a extinta
língua gaulesa, as quais classificou como línguas celtas. Lhuyd justificou o
uso da expressão pelo fato de estas pertencerem à mesma família linguística do
gaulês e a língua gaulesa e a maioria das tribos gaulesas terem sido chamadas
de celtas.
Fontes clássicas e arqueológicas atestam que os celtas
faziam uso limitado da escrita. Júlio César, no De Bello Gallico, comentou que
os helvécios usavam o alfabeto grego para registar o censo da população e que
os druidas se recusavam a registar por escrito os versos, mas que faziam uso do
alfabeto grego para as transações públicas e pessoais. Diodoro disse que nos
funerais os gauleses escreviam cartas aos amigos, e atiravam-nas para a pira
funerária, como se elas pudessem ser lidas pelos defuntos. Já Ulpiano
determina que os fidei comunis podiam ser escritos em gaulês, entre outras
línguas, o que gerou especulações de que no século III esta língua ainda seria
escrita e falada.
O alfabeto ibérico foi usado para registar o celtibéro, uma
língua celta da Península Ibérica. O alfabeto de Lugano e Sondrio foi usado na
Gália Cisalpina e o alfabeto grego na Gália Transalpina. Variações do alfabeto
latino foram usadas na península Ibérica e na Gália Transalpina.Estudos
colocam a hipótese de haver uma relação entre as inscrições de Glozel e um
dialecto celta.
Cultura
As manifestações artísticas celtas possuem marcante
originalidade, embora denotem influências asiáticas e das civilizações do
Mediterrâneo (grega, etrusca e romana). Há uma nítida tendência abstrata na
decoração de peças, com figuras em espiral, volutas e desenhos geométricos.
Entre os objetos inumados, destacam-se peças ricamente adornadas em bronze,
prata e ouro, com incisões, relevos e motivos entalhados. A influência da arte
celta está ainda presente nas iluminuras medievais irlandesas e em muitas
manifestações do folclore do noroeste europeu, na música e arquitectura de boa
parte da Europa ocidental. Também muitos dos contos e mitos populares do ocidente
europeu têm origem na cultura dos celtas.
Alguns estereótipos modernos e contemporâneos foram
associados à cultura dos celtas, como imagens de guerreiros usando capacetes
com chifres e ou asas laterais (vide Astérix), comemorações de festas
com taças feitas de crânios dos inimigos, entre outros. Essas imagens são
devidas em parte ao conhecimento divulgado sobre os celtas durante o século
XIX.
Diógenes Laércio, na sua obra Vidas e doutrinas dos
filósofos ilustres, comenta que a origem do estudo da filosofia era atribuída
aos celtas, (entre outros povos considerados bárbaros). O conhecimento da
filosofia era atribuído aos druidas e aos semnothei.
Massalia era um conhecido centro de aprendizagem onde os
celtas iam aprender a cultura grega, a ler e a escrever.
Entre os eruditos da antiguidade de origem celta ou oriundos
das regiões celtas são conhecidos Gneu Pompeu Trogo, Marcelo Empírico,
Públio Valério Catão,Marco Antônio Gnífon, Cornélio Galo, Rutílio
Cláudio Namaciano,Virgílio, Vibius GallusTito Lívio Cornélio Nepos e
Sidônio Apolinário.
Organização social
A rainha Maeve e um
druida (ilustração de Stephen Reid para The Boys' Cuchulainn de Eleanor Hull,
1904).
A unidade básica da sua organização social era o clã,
composto por famílias aparentadas que partilhavam um núcleo de terras
agrícolas, mas que mantinham a posse individual do gado que apascentavam.
Com base em estudos efetuados na Irlanda, determinou-se que
a sua organização política era dividida em três classes: o rei e os nobres, os
homens livres e os servos, artesãos, refugiados e escravos. Este último grupo
não possuía direitos políticos. A esta estrutura secular, agregavam-se os
sacerdotes (druidas), bardos e ovados, todos com grande influência sobre a
sociedade.
Mais recentemente foram apresentadas novas perspectivas
sobre a celtização do Noroeste de Portugal e a identidade étnica dos Callaeci
Bracari. No país, os povoados castrejos do tipo citaniense apresentavam
características similares às dos povoados celtas. A citânia de Briteiros é
exemplo de um povoado com características celtas, sendo, porém, necessário
tomar esta designação no seu sentido lato: isto é - seria o local de habitação
das numerosas tribos celtizadas (celtici).Tongóbriga é um sítio arqueológico
situado na freguesia de Freixo, também antigo povoado dos Callaeci Bracari..
Religião
Os celtas exaltavam as forças telúricas expressas nos ritos
propiciatórios. A natureza era a expressão máxima da Deusa-Mãe. A divindade
máxima era feminina, a Deusa-Mãe, cuja manifestação era a própria natureza e
por isso a sociedade celta, embora não fosse matriarcal, mesmo assim a mulher
era soberana no domínio das forças da natureza. A religião celta era
politeísta com características animistas, sendo os ritos quase sempre
realizados ao ar livre. Suspeita-se que algumas das suas cerimônias envolviam
sacrifícios humanos. O calendário anual possuía várias festas místicas, como o
Imbolc e o Belthane, assim como celebrações dos equinócios e solstícios.
Embora se saiba que os celtas adoravam um grande número de
divindades, do seu culto hoje pouco se conhece para além de alguns dos nomes.
Tendo um fundo animista, a religião celta venerava múltiplas divindades
associadas a atividades, fenómenos da natureza e coisas. Entre as divindades
contavam-se Tailtiu e Macha, as deusas da natureza, e Epona, a deusa dos
cavalos. Entre as divindades masculinas incluíam-se deuses como Goibiniu, o
fabricante de cerveja, e Tan Hill, a divindade do fogo. O escritor romano
Lucano faz menções a vários deuses celtas, como Taranis, Teutates e Esus, que,
curiosamente, não parecem ter sido amplamente adorados ou relevantes.
Algumas divindades eram variantes de outras, reflectindo a
estrutura tribal e clânica dos povos celtas. A esta complexidade veio juntar-se
a plêiade de divindades romanas, criando novas formas e designações. É nesse
contexto que a deusa galo-romana dos cavalos, Epona, parece ser uma variante da
deusa Rhiannon, adorada em Gales, ou ainda Macha, que era adorada na região do
Ulster.
As crenças religiosa dos celtas também originaram muitos dos
mitos europeus. Entre os mais conhecidos está o mito de Cernuno, também chamado
de Slough Feg ou Cornífero na forma latinizada, comprovadamente um dos mitos
mais antigos da Europa ocidental, mas do qual pouco se conhece.
Com a assimilação no Roma, os deuses celtas
perderam as suas características originais e passaram a ser identificados com
as correspondentes divindades romanas. Posteriormente, com a ascensão do
Cristianismo, a Velha Religião foi sendo gradualmente abandonada, sem nunca ter
sido totalmente extinta, estando ainda hoje presente em muitos dos cultos de
santos e nas crenças populares assimilados no cristianismo.
Com a crescente secularização da sociedade europeia, surgiram movimentos neopagãos pouco expressivos, que buscam a adaptação aos novos tempos das crenças do paganismo antigo, sendo alguns dos principais representantes a wicca e os neodruidas, que, embora contenham alguns elementos celtas, não são célticos, nem representam a cultura do povo celta.
A wicca tem sua origem na obra de ocultistas do século XX,
como Gerald Brousseau Gardner e Aleister Crowley. Já o neodruidismo não tem uma
fonte única, sendo uma tentativa de reconstruir o druidismo da Antiguidade,
tendo a sua estruturação sido iniciada em sociedades secretas da Grã-Bretanha a
partir do século XVIII.
Mitologia
Consideram-se três as fontes principais sobre a mitologia
celta, os autores greco-romanos, a arqueologia, e os documentos britânicos e
irlandeses.
São riquíssimas as narrativas mitológicas celtas,
principalmente as transmitidas oralmente em forma de poema, como "O Roubo
de Gado em Cooley". Nesta, o herói irlandês Cú Chulainn enfrenta as forças
da rainha Maeve para defender o seu condado. Outra narrativa, do Livro das
Invasões (Lebor Gabala Erren), conta a lenda dos filhos de Míle Espáine e o seu
trajecto até chegarem à Irlanda.
Outros legados dos celtas são as histórias do Ciclo do Rei
Artur da Inglaterra e relatos míticos dos quais se originaram os contos de
fadas, como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho (onde a menina representa o Sol
devorado pela noite do Inverno, ou seja, o lobo).
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