quinta-feira, 27 de março de 2014

Tempo - parte 1



Tempo
 
A noção em senso comum de tempo é inerente ao ser humano, visto que todos somos, em princípio, capazes de reconhecer e ordenar a ocorrência dos eventos percebidos pelos nossos sentidos. Contudo a ciência evidenciou várias vezes que nossos sentidos e percepções são mestres em nos enganar. A percepção de tempo inferida a partir de nossos sentidos é estabelecida via processos psicossomáticos, onde variadas variáveis, muitas com origem puramente psicológica, tomam parte, e assim como certamente todas as pessoas presenciaram em algum momento uma ilusão de ótica, da mesma forma de que em algum momento houve a sensação de que, em certos dias, determinados eventos transcorreram de forma muito rápida, e de que em outros os mesmos eventos transcorreram de forma bem lenta, mesmo que o relógio - aparelho especificamente construído para medida de tempo - diga o contrário.
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Embora os pesquisadores não tenham encontrado evidências de um único "órgão do tempo" no cérebro, e de que ainda há muito por se descobrir em relação aos processos cerebrais responsáveis pela nossa percepção de passagem do tempo, é certo que o conceito baseado em senso comum é muito pouco preciso para mostrar-se confiável ou mesmo útil na maioria das situações, mesmo nas práticas onde estamos acostumados a utilizá-lo. A exemplo, todos certamente já afirmaram, de forma a mais natural: "o tempo corre", "este ano passou depressa" ou mesmo "esta aula não acaba". Uma definição científica mais precisa faz-se certamente necessária, e com ela ver-se-á, entre outros, que o tempo, em sua acepção científica, não flui. O tempo simplesmente é

O que é o tempo?

 Esta pergunta tem intrigado estudiosos, matemáticos, físicos, filósofos e curiosos ao longo da história da humanidade. Contudo, dificilmente chegar-se-á a um consenso da definição absoluta e definitiva de tempo porque ele é, para o ser humano, em senso comum, apenas um evento psicológico, apenas uma sensação derivada da transição de um movimento. O tempo, apesar de estar vinculado a eventos externos ao indivíduo, sempre será definido de forma idiossincrática, tanto que estudiosos conceituados ousaram sentenciar:

"É o jeito que a natureza deu para não deixar que tudo acontecesse de uma vez só." (John Wheeler)"Uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão." (Albert Einstein)"Cada segundo que passa é um milagre que jamais se repete." (Antiga frase dita pela Rádio Relógio do Rio de Janeiro).
Crianças de colo não têm a noção de tempo, e adultos com certas doenças neurológicas e ou psiquiátricas podem perdê-la.
A noção humana de tempo encontra-se ligada de forma íntima às percepções fornecidas pelos sentidos - com destaque certamente para o sentido da visão - o que faz com que a noção humana de tempo encontre-se diretamente influenciada pela luz e suas propriedades. Nessa linha de raciocínio, considerado que a luz, ao propagar-se livremente, não se "esgota" - dado que conseguimos enxergar estrelas cuja luz viajou por mais de 10.000 (dez mil) anos-luz de distância - se algum corpo metafísico realizasse uma viagem a mais de 300.000 km/s - a rigor, 299 792 458 metros por segundo, atual velocidade da luz - este estaria a contemplar uma viagem no tempo: enxergaria seu passado e não mais teria a percepção de tempo normal. Esse argumento também é válido com dispositivos de filmagem, fotos e câmeras: eles nada mais fazem do que impressionar matéria física de maneira a reter a luz dos acontecimentos, e também podem ser consideradas "viagens no tempo". Estes fatos são extraordinariamente narrados por Camille Flammarion em "Narrações do Infinito".

 Com base na percepção humana, a concepção comum de tempo é indicada por intervalos ou períodos de duração. Pode-se dizer que um acontecimento ocorre depois de outro acontecimento. Além disso, pode-se medir o quanto um acontecimento ocorre depois de outro. Esta resposta relativa ao quanto é a quantidade de tempo entre estes dois acontecimentos: à separação temporal dos dois acontecimentos distintos dá-se o nome de intervalo de tempo; à separação temporal entre o início e o fim de um mesmo evento dá-se o nome de duração. Uma das formas de se definir depois baseia-se na assunção de causalidade.

O trabalho realizado pela humanidade para aumentar o conhecimento da natureza e das medições do tempo, através de trabalho destinado ao aperfeiçoamento de calendários e relógios, foi um importante motor das descobertas científicas.

Em outras palavras, o tempo é uma componente do sistema de medições usado para sequenciar eventos, para comparar as durações dos eventos, os seus intervalos, e para quantificar o movimento de objetos. O tempo tem sido um dos maiores temas da religião, filosofia e ciência, mas defini-lo de uma forma não controversa para todos - em uma forma que possa ser aplicada a todos os campos simultaneamente - tem eludido aos maiores conhecedores.
Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: chronos e kairós. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico (ou sequencial) que pode ser medido, esse último significa "o momento certo" ou "oportuno": um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. Em teologia descreve a forma qualitativa do tempo (o "tempo de Deus"), enquanto chronos é de natureza quantitativa (o "tempo dos homens").

Na física e noutras ciências, o tempo é considerado uma das poucas quantidades essenciais. O tempo é usado para definir outras quantidades - como a velocidade - e definir o tempo nos termos dessas quantidades iria resultar numa definição redundante. Por influência da teoria da relatividade idealizada pelo Físico Albert Einstein, o tempo vem sendo considerado como uma quarta dimensão do continuum espaço-tempo do Universo, que possui três dimensões espaciais e uma temporal.

O tempo e a Física Clássica

No âmbito da Física Clássica tempo e espaço são grandezas completamente distintas e independentes, sendo o tempo uma grandeza absoluta e universal, comum a todos os referencias. Os relógios não se atrelam às coordenadas espaciais. As informações causais propagam-se de um ponto a outro de forma instantânea, e as indicações de dois relógios idênticos, quando previamente sincronizados, irão sempre coincidir, quaisquer que sejam seus estados de movimento relativos tanto ao observador, quanto entre si, e qualquer que seja a posição do observador. Particularmente, a medida do tempo no qual um evento ocorre não precisa ser realizada no exato local onde este fenômeno ocorre, bastando para tal que o mesmo seja percebido por um observador qualquer na posse de um relógio, previamente sincronizado com os demais relógios via um padrão pré-estabelecido. Nestas condições, independente das posições relativas dos observadores ou relógios usados nas determinações destas, quer entre si, quer em relação ao evento, todas as leituras de tempo obtidas para o mesmo evento sempre concordariam.
Medir o tempo no âmbito da física clássica é algo muito simples, portanto: pegue um relógio - previamente sincronizado e ajustado a um padrão previamente definido, a ser utilizado para o ajuste e sincronia de qualquer relógio envolvido no problema - e simplesmente registre o instante de ocorrência do evento sob análise tão logo este lhe seja percebido, sem maiores considerações.

 O tempo e a Relatividade
O universo de eventos (pontinhos) conforme percebidos por um referencial acelerado (centro da figura) segundo a teoria da mecânica clássica. A linha escura representa a linha da vida para tal referencial. Todos os eventos do universo são perceptíveis ao referencial: na parte superior, os eventos futuros; na inferior, os eventos passados. No eixo horizontal, comprimento (distância ao referencial).


A relatividade restrita assenta-se sobre dois postulados com enunciados em princípio muito simples:

1) Princípio da relatividade: as leis físicas são as mesmas em qualquer referencial inercial.

2) Princípio da constância da velocidade da luz: a velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor "C" em qualquer referencial inercial.

A complexidade destes postulados só é compreendida frente às implicações dos mesmos:

tempo e espaço não são grandezas absolutas, universais e independentes, mas sim grandezas intimamente relacionadas e necessariamente atreladas a um referencial em específico.

as ideias, antes independentes, de separação espacial e separação temporal de dois eventos são fundidas em uma ideia única, a de separação espaço-temporal de dois eventos; espaço e tempo fundem-se em uma única malha de coordenadas, o espaço-tempo.

a informação não pode mais transladar instantaneamente de um ponto a outro do espaço, e a noção de simultaneidade universal é completamente perdida, sendo dois eventos simultâneos em um referencial não mais necessariamente simultâneos em outro referencial.

sendo a medida de tempo atrelada à determinação de coincidências de eventos, um dado intervalo de tempo entre dois eventos, quando medido a partir de um referencial, não se mostra mais necessariamente idêntico ao mesmo intervalo de tempo determinado em outro referencial (dilatação do tempo).
O universo de eventos conforme percebido por um referencial acelerado segundo a teoria da relatividade. No quadrante superior, os eventos em seu futuro. No quadrante inferior, eventos perceptíveis já em seu passado. Os eventos nos quadrantes laterais são inacessíveis ao referencial em questão. As linhas diagonais representam o limite imposto pela velocidade da luz.

dimensões espaciais determinadas a partir de um referencial não mais necessariamente coincidem com os valores mensurados quando em outro referencial (contração do comprimento)
Focando a atenção sobre o conceito e a mensuração do tempo, a primeira consideração a ser feita é a de que a medida do tempo passa a ser específica ao observador, e deve ser realizada sempre no mesmo ponto especificado do espaço - onde o relógio mostre-se justaposto ao evento - a fim de que a este se possa associar corretamente a sequência de eventos conforme ocorrem de facto.

Como mera demonstração da situação, considere para tais dois relógios idênticos e perfeitamente sincronizados, ambos situados sobre a origem de um sistema inercial de coordenadas. Enquanto permanecem juntos, estes apresentam sempre a mesma indicação. Envia-se um destes relógios, de forma muito lenta, a uma distância considerável da origem, e com este lá situado, o observador na origem compara as leituras que obtém ao olhar para o relógio distante e para o que permanece em seu pulso. O simples fato dos relógios estarem situados em posições diferentes já implica a não coincidência das leituras observadas nos dois relógios visto que a informação associada à indicação do relógio distante não se propaga de forma instantânea até a origem. Imagine agora um evento acontecendo junto ao relógio distante exatamente quando aquele indicava 12:00H. Se pedirmos para o observador na origem determinar o instante do evento, este deve proceder da seguinte forma: ao visualizar a ocorrência do evento, este olha o relógio junto ao evento, e anota a leitura que nele observa. Este valor certamente será diferente do registrado via relógio que possui em seu pulso. Embora a forma correta de sincronizarem-se os relógios seja, como ver-se-á, mais elaborada do que a acima descrita, essencialmente, eventos que são taxados com ocorrendo para o mesmo valor de tempo t no referencial do observador não são contudo necessariamente visualizados simultaneamente por esse observador, situado na origem do sistema de coordenadas.
Se você está achando isto estranho, saiba que isto é só o começo. O termo "de forma muito lenta" foi introduzido no enunciado do problema anterior não por acaso, pois se a velocidade de viagem for elevada, próxima à velocidade da luz, acelerações não desprezíveis e outros efeitos estarão envolvidos, o que complicaria significativamente o problema. A exemplo, assumindo-se que o relógio desloque-se até o ponto distante, e depois retorne à origem, observar-se-á que as leituras dos dois não mais coincidem, estando o relógio móvel atrasado em relação ao estático que permaneceu na origem (paradoxo dos gêmeos). Contudo verificar-se-á que os relógios permanecerem funcionando de forma idêntica, mantendo sempre a mesma diferença entre suas leituras após serem novamente justapostos, indicando que o atraso não se deve aos relógios em si.
Em vista do exposto, o processo de medida do tempo e também do espaço em vista da relatividade deve ser feito de forma muito rigorosa a fim de obterem-se dados de real valia à análise de um problema. O procedimento pode ser resumido nos seguintes itens:

A determinação do tempo e do espaço é algo estritamente local, e específico a cada referencial.

O tempo de ocorrência de um evento é determinado a partir de um relógio imóvel situado junto a ocorrência do evento, relógio esse previamente ajustado e adequadamente sincronizado - conforme regras abaixo estabelecidas - aos demais relógios que integram a rede espaço-tempo do referencial em questão; sendo esse denominado tempo coordenado.

O tempo de ocorrência de um evento é o tempo inferido por um observador situado na origem deste referencial via indicação do relógio na imagem por ele inferida para o evento e para o relógio justaposto ao evento; e não via indicação do relógio situado em seu braço, junto à origem, no momento da observação do evento; sendo aquele e não esse o tempo o tempo coordenado t do evento. O tempo inferido a partir do relógio no pulso do observador na origem é também importante em relatividade, e é conhecido por tempo próprio t.
O leitura de tempo inferido por um observador em relação ao qual o relógio utilizado na medida está sempre em seu pulso é chamado de tempo próprio. A subtração entre duas leituras feitas no mesmo relógio fornecem o intervalo de tempo próprio. Os eventos ao qual atrelam-se os tempos ou intervalo de tempo próprios ocorrem, segundo esperado, sempre junto ao observador, na origem.

 A malha espaço-tempo é necessária à correta determinação da posição e do tempo de ocorrência de um evento. Os valores medidos são específicos ao referencial em questão.

O leitor atento poderá argumentar ainda sobre a necessidade de que a medida do tempo seja feita junto ao local de ocorrência do evento, afinal, este foi o tema central do problema inicial. Bem, isto não constitui um problema prático, e pode ser facilmente resolvido ao considerar-se a malha espaço-tempo associada a um dado referencial inercial, e a maneira como esta deve ser construída.
 
A malha espaço-tempo é necessária à correta determinação da posição e do tempo de ocorrência de um evento. Os valores medidos são específicos ao referencial em questão.
 
Para construir-se a malha espaço-tempo atrelada a um sistema de referências espaço-temporal, instrumento essencial à correta determinação das coordenadas espaço-temporais relativas ao observador situado na origem do sistema, junto a este observador dito principal coloca-se um cronômetro zerado, e uma lâmpada. Contando este com vários observadores auxiliares, o observador principal entrega a cada um de seus incontáveis auxiliares um relógio e uma barra de exatos 1 metro de comprimento. Os seis primeiros auxiliares pré-ajustam seus cronômetros com o valor 3,33 ns (o intervalo de tempo que a luz gasta para percorrer exatamente 1 metro), adiantando-os, e situando suas barras a partir da origem, posicionam-se cada qual a 1 metro de distância desta, ao longo dos eixos X, Y e Z. Os próximos 6 repetem o procedimento, posicionando-se cada qual a 1 metro dos auxiliares anteriores - a dois metros da origem, portanto - isto após terem pré-ajustado seus relógios pessoais com o valor 6,67ns. O processo é imaginado repetir-se não apenas sobre os eixos coordenados mas em todas as direções, "ad infinitum". Com todos os auxiliares posicionados, o observador principal liga seu cronômetro ao mesmo tempo que acende a luz. Cada um dos auxiliares fará o mesmo com seu cronômetro no exato instante que este perceber o brilho da lâmpada. Após todos os auxiliares terem ligado seus relógios, ter-se-á uma rede espaço-temporal atrelada ao observador principal que o permite determinar a posição e instante de ocorrência de qualquer evento no espaço-tempo. Para determinar-se a posição e tempo de um fenômeno basta que o auxiliar exatamente sobre o ponto de ocorrência do fenômeno registre o tempo que ele observa, em seu relógio, no exato instante em que o fenômeno ocorre - o que restabelece a medida junto ao acontecimento. Anotando juntamente as coordenadas espaciais de sua posição na rede, previamente por este conhecidas, o auxiliar estabelece as grandezas coordenadas x, y, z e t do evento no referencial do observador principal.

O leitor atento perceberá que a leitura registrada por qualquer de seus auxiliares para um evento que ocorra junto a este não coincidirá com a leitura presente no relógio fixo junto ao pulso do observador principal quando este evento for por ele percebido na origem do sistema de coordenadas, sendo aquele valor e não o do relógio na origem do sistema o tempo coordenado t do evento neste referencial. Para que o observador na origem observasse todos os relógios de todos os seus assistentes marcando, em uma imagem instantânea (fotografia) por ele tirada, sempre o mesmo valor, os respectivos relógios dos assistentes teriam que ter sido previamente ajustados, no processo de sincronia descrito acima, não com um valor unitariamente igual mas sim com um valor igual a duas vezes o necessário para a luz ir da origem até o ponto onde se encontram - com os dobros dos valores com os quais realmente foram e são segundo as regras ajustados, portanto. Conforme corretamente sincronizados, contudo, uma fotografia de seus auxiliares tirada pelo observador na origem revelaria que o relógio de qualquer auxiliar mais distantes é por ele visto sempre atrasado em relação ao relógio de qualquer auxiliar situado em posição mais próxima. O tempo t de um evento em um dado referencial corresponde assim ao mesmo que seria registrado caso se houvesse apenas um observador, o situado na origem, e apenas um relógio, o situado na origem, contudo subtraído do intervalo de tempo necessário para a luz propagar-se do local de ocorrência do evento - do local onde encontra-se o auxiliar que registra o evento - até o observador na origem do sistema de coordenadas. Se o evento é visto na origem quando o relógio ali situado indica um valor T , o tempo t do evento no sistema de coordenadas atrelado ao referencial é então T = t - r/c ; c representado a velocidade da luz e r a distância espacial - em linha reta - do local de ocorrência do evento à origem. r/c  representa o tempo necessário para a luz propagar-se do evento à origem.
 
 

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