Tempo
A noção em senso comum de tempo é inerente ao ser humano,
visto que todos somos, em princípio, capazes de reconhecer e ordenar a
ocorrência dos eventos percebidos pelos nossos sentidos. Contudo a ciência
evidenciou várias vezes que nossos sentidos e percepções são mestres em nos
enganar. A percepção de tempo inferida a partir de nossos sentidos é
estabelecida via processos psicossomáticos, onde variadas variáveis, muitas com
origem puramente psicológica, tomam parte, e assim como certamente todas as
pessoas presenciaram em algum momento uma ilusão de ótica, da mesma forma de
que em algum momento houve a sensação de que, em certos dias, determinados
eventos transcorreram de forma muito rápida, e de que em outros os mesmos
eventos transcorreram de forma bem lenta, mesmo que o relógio - aparelho
especificamente construído para medida de tempo - diga o contrário.
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Embora os pesquisadores não tenham encontrado evidências de
um único "órgão do tempo" no cérebro, e de que ainda há muito por se
descobrir em relação aos processos cerebrais responsáveis pela nossa percepção
de passagem do tempo, é certo que o conceito baseado em senso comum é
muito pouco preciso para mostrar-se confiável ou mesmo útil na maioria das
situações, mesmo nas práticas onde estamos acostumados a utilizá-lo. A exemplo,
todos certamente já afirmaram, de forma a mais natural: "o tempo
corre", "este ano passou depressa" ou mesmo "esta aula não
acaba". Uma definição científica mais precisa faz-se certamente
necessária, e com ela ver-se-á, entre outros, que o tempo, em sua acepção
científica, não flui. O tempo simplesmente é
O que é o tempo?
"É o jeito que a natureza deu para não deixar que tudo
acontecesse de uma vez só." (John Wheeler)"Uma ilusão. A distinção
entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente
ilusão." (Albert Einstein)"Cada segundo que passa é um milagre que
jamais se repete." (Antiga frase dita pela Rádio Relógio do Rio de Janeiro).
Crianças de colo não têm a noção de tempo, e adultos com
certas doenças neurológicas e ou psiquiátricas podem perdê-la.
A noção humana de tempo encontra-se ligada de forma íntima
às percepções fornecidas pelos sentidos - com destaque certamente para o
sentido da visão - o que faz com que a noção humana de tempo encontre-se
diretamente influenciada pela luz e suas propriedades. Nessa linha de
raciocínio, considerado que a luz, ao propagar-se livremente, não se
"esgota" - dado que conseguimos enxergar estrelas cuja luz viajou por
mais de 10.000 (dez mil) anos-luz de distância - se algum corpo metafísico
realizasse uma viagem a mais de 300.000 km/s - a rigor, 299 792 458 metros por
segundo, atual velocidade da luz - este estaria a contemplar uma viagem no
tempo: enxergaria seu passado e não mais teria a percepção de tempo normal.
Esse argumento também é válido com dispositivos de filmagem, fotos e câmeras:
eles nada mais fazem do que impressionar matéria física de maneira a reter a
luz dos acontecimentos, e também podem ser consideradas "viagens no
tempo". Estes fatos são extraordinariamente narrados por Camille
Flammarion em "Narrações do Infinito".
O trabalho realizado pela humanidade para aumentar o
conhecimento da natureza e das medições do tempo, através de trabalho destinado
ao aperfeiçoamento de calendários e relógios, foi um importante motor das
descobertas científicas.
Em outras palavras, o tempo é uma componente do sistema de
medições usado para sequenciar eventos, para comparar as durações dos eventos,
os seus intervalos, e para quantificar o movimento de objetos. O tempo tem sido
um dos maiores temas da religião, filosofia e ciência, mas defini-lo de uma
forma não controversa para todos - em uma forma que possa ser aplicada a todos
os campos simultaneamente - tem eludido aos maiores conhecedores.
Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: chronos
e kairós. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico (ou sequencial)
que pode ser medido, esse último significa "o momento certo" ou
"oportuno": um momento indeterminado no tempo em que algo especial
acontece. Em teologia descreve a forma qualitativa do tempo (o "tempo de
Deus"), enquanto chronos é de natureza quantitativa (o "tempo dos
homens").
Na física e noutras ciências, o tempo é considerado uma das
poucas quantidades essenciais. O tempo é usado para definir outras quantidades
- como a velocidade - e definir o tempo nos termos dessas quantidades iria
resultar numa definição redundante. Por influência da teoria da relatividade
idealizada pelo Físico Albert Einstein, o tempo vem sendo considerado como uma
quarta dimensão do continuum espaço-tempo do Universo, que possui três
dimensões espaciais e uma temporal.
O tempo e a Física Clássica
No âmbito da Física Clássica tempo e espaço são grandezas
completamente distintas e independentes, sendo o tempo uma grandeza absoluta e
universal, comum a todos os referencias. Os relógios não se atrelam às
coordenadas espaciais. As informações causais propagam-se de um ponto a outro
de forma instantânea, e as indicações de dois relógios idênticos, quando
previamente sincronizados, irão sempre coincidir, quaisquer que sejam seus
estados de movimento relativos tanto ao observador, quanto entre si, e qualquer
que seja a posição do observador. Particularmente, a medida do tempo no qual um
evento ocorre não precisa ser realizada no exato local onde este fenômeno
ocorre, bastando para tal que o mesmo seja percebido por um observador qualquer
na posse de um relógio, previamente sincronizado com os demais relógios via um
padrão pré-estabelecido. Nestas condições, independente das posições relativas
dos observadores ou relógios usados nas determinações destas, quer entre si,
quer em relação ao evento, todas as leituras de tempo obtidas para o mesmo
evento sempre concordariam.
Medir o tempo no âmbito da física clássica é algo muito
simples, portanto: pegue um relógio - previamente sincronizado e ajustado a um
padrão previamente definido, a ser utilizado para o ajuste e sincronia de
qualquer relógio envolvido no problema - e simplesmente registre o instante de
ocorrência do evento sob análise tão logo este lhe seja percebido, sem maiores
considerações.
A relatividade restrita assenta-se sobre dois postulados com
enunciados em princípio muito simples:
1) Princípio da relatividade: as leis físicas são as mesmas
em qualquer referencial inercial.
2) Princípio da constância da velocidade da luz: a
velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor "C" em qualquer
referencial inercial.
A complexidade destes postulados só é compreendida frente às
implicações dos mesmos:
tempo e espaço não são grandezas absolutas, universais e
independentes, mas sim grandezas intimamente relacionadas e necessariamente
atreladas a um referencial em específico.
as ideias, antes independentes, de separação espacial e
separação temporal de dois eventos são fundidas em uma ideia única, a de
separação espaço-temporal de dois eventos; espaço e tempo fundem-se em uma
única malha de coordenadas, o espaço-tempo.
a informação não pode mais transladar instantaneamente de um
ponto a outro do espaço, e a noção de simultaneidade universal é completamente
perdida, sendo dois eventos simultâneos em um referencial não mais
necessariamente simultâneos em outro referencial.
sendo a medida de tempo atrelada à determinação de
coincidências de eventos, um dado intervalo de tempo entre dois eventos, quando
medido a partir de um referencial, não se mostra mais necessariamente idêntico
ao mesmo intervalo de tempo determinado em outro referencial (dilatação do
tempo).
O universo de eventos conforme percebido por um referencial acelerado segundo a teoria da relatividade. No quadrante superior, os eventos em seu futuro. No quadrante inferior, eventos perceptíveis já em seu passado. Os eventos nos quadrantes laterais são inacessíveis ao referencial em questão. As linhas diagonais representam o limite imposto pela velocidade da luz.
dimensões espaciais determinadas a partir de um referencial
não mais necessariamente coincidem com os valores mensurados quando em outro
referencial (contração do comprimento)
Focando a atenção sobre o conceito e a mensuração do tempo,
a primeira consideração a ser feita é a de que a medida do tempo passa a ser
específica ao observador, e deve ser realizada sempre no mesmo ponto
especificado do espaço - onde o relógio mostre-se justaposto ao evento - a fim
de que a este se possa associar corretamente a sequência de eventos conforme
ocorrem de facto.
Como mera demonstração da situação, considere para tais dois
relógios idênticos e perfeitamente sincronizados, ambos situados sobre a origem
de um sistema inercial de coordenadas. Enquanto permanecem juntos, estes
apresentam sempre a mesma indicação. Envia-se um destes relógios, de forma
muito lenta, a uma distância considerável da origem, e com este lá situado, o
observador na origem compara as leituras que obtém ao olhar para o relógio
distante e para o que permanece em seu pulso. O simples fato dos relógios
estarem situados em posições diferentes já implica a não coincidência das
leituras observadas nos dois relógios visto que a informação associada à
indicação do relógio distante não se propaga de forma instantânea até a origem.
Imagine agora um evento acontecendo junto ao relógio distante exatamente quando
aquele indicava 12:00H. Se pedirmos para o observador na origem determinar o
instante do evento, este deve proceder da seguinte forma: ao visualizar a
ocorrência do evento, este olha o relógio junto ao evento, e anota a leitura
que nele observa. Este valor certamente será diferente do registrado via
relógio que possui em seu pulso. Embora a forma correta de sincronizarem-se os
relógios seja, como ver-se-á, mais elaborada do que a acima descrita,
essencialmente, eventos que são taxados com ocorrendo para o mesmo valor de
tempo t no referencial do observador não são contudo necessariamente
visualizados simultaneamente por esse observador, situado na origem do sistema
de coordenadas.
Se você está achando isto estranho, saiba que isto é só o
começo. O termo "de forma muito lenta" foi introduzido no enunciado
do problema anterior não por acaso, pois se a velocidade de viagem for elevada,
próxima à velocidade da luz, acelerações não desprezíveis e outros efeitos
estarão envolvidos, o que complicaria significativamente o problema. A exemplo,
assumindo-se que o relógio desloque-se até o ponto distante, e depois retorne à
origem, observar-se-á que as leituras dos dois não mais coincidem, estando o
relógio móvel atrasado em relação ao estático que permaneceu na origem
(paradoxo dos gêmeos). Contudo verificar-se-á que os relógios permanecerem funcionando
de forma idêntica, mantendo sempre a mesma diferença entre suas leituras após
serem novamente justapostos, indicando que o atraso não se deve aos relógios em
si.
Em vista do exposto, o processo de medida do tempo e também
do espaço em vista da relatividade deve ser feito de forma muito rigorosa a fim
de obterem-se dados de real valia à análise de um problema. O procedimento pode
ser resumido nos seguintes itens:
A determinação do tempo e do espaço é algo estritamente
local, e específico a cada referencial.
O tempo de ocorrência de um evento é determinado a partir de
um relógio imóvel situado junto a ocorrência do evento, relógio esse
previamente ajustado e adequadamente sincronizado - conforme regras abaixo
estabelecidas - aos demais relógios que integram a rede espaço-tempo do
referencial em questão; sendo esse denominado tempo coordenado.
O tempo de ocorrência de um evento é o tempo inferido por um
observador situado na origem deste referencial via indicação do relógio na
imagem por ele inferida para o evento e para o relógio justaposto ao evento; e
não via indicação do relógio situado em seu braço, junto à origem, no momento
da observação do evento; sendo aquele e não esse o tempo o tempo coordenado t
do evento. O tempo inferido a partir do relógio no pulso do observador na
origem é também importante em relatividade, e é conhecido por tempo próprio
t.
O leitura de tempo inferido por um observador em relação ao
qual o relógio utilizado na medida está sempre em seu pulso é chamado de tempo
próprio. A subtração entre duas leituras feitas no mesmo relógio fornecem o
intervalo de tempo próprio. Os eventos ao qual atrelam-se os tempos ou
intervalo de tempo próprios ocorrem, segundo esperado, sempre junto ao
observador, na origem.
A malha espaço-tempo
é necessária à correta determinação da posição e do tempo de ocorrência de um
evento. Os valores medidos são específicos ao referencial em questão.
O leitor atento poderá argumentar ainda sobre a necessidade
de que a medida do tempo seja feita junto ao local de ocorrência do evento,
afinal, este foi o tema central do problema inicial. Bem, isto não constitui um
problema prático, e pode ser facilmente resolvido ao considerar-se a malha
espaço-tempo associada a um dado referencial inercial, e a maneira como esta deve
ser construída.
A malha espaço-tempo é necessária à correta determinação da posição e do tempo de ocorrência de um evento. Os valores medidos são específicos ao referencial em questão.
Para construir-se a malha espaço-tempo atrelada a um sistema
de referências espaço-temporal, instrumento essencial à correta determinação
das coordenadas espaço-temporais relativas ao observador situado na origem do
sistema, junto a este observador dito principal coloca-se um cronômetro zerado,
e uma lâmpada. Contando este com vários observadores auxiliares, o observador
principal entrega a cada um de seus incontáveis auxiliares um relógio e uma
barra de exatos 1 metro de comprimento. Os seis primeiros auxiliares
pré-ajustam seus cronômetros com o valor 3,33 ns (o intervalo de tempo que a
luz gasta para percorrer exatamente 1 metro), adiantando-os, e situando suas
barras a partir da origem, posicionam-se cada qual a 1 metro de distância
desta, ao longo dos eixos X, Y e Z. Os próximos 6 repetem o procedimento,
posicionando-se cada qual a 1 metro dos auxiliares anteriores - a dois metros
da origem, portanto - isto após terem pré-ajustado seus relógios pessoais com o
valor 6,67ns. O processo é imaginado repetir-se não apenas sobre os eixos
coordenados mas em todas as direções, "ad infinitum". Com todos os
auxiliares posicionados, o observador principal liga seu cronômetro ao mesmo
tempo que acende a luz. Cada um dos auxiliares fará o mesmo com seu cronômetro
no exato instante que este perceber o brilho da lâmpada. Após todos os
auxiliares terem ligado seus relógios, ter-se-á uma rede espaço-temporal
atrelada ao observador principal que o permite determinar a posição e instante
de ocorrência de qualquer evento no espaço-tempo. Para determinar-se a posição
e tempo de um fenômeno basta que o auxiliar exatamente sobre o ponto de
ocorrência do fenômeno registre o tempo que ele observa, em seu relógio, no
exato instante em que o fenômeno ocorre - o que restabelece a medida junto ao
acontecimento. Anotando juntamente as coordenadas espaciais de sua posição na
rede, previamente por este conhecidas, o auxiliar estabelece as grandezas
coordenadas x, y, z e t do evento no referencial do observador principal.
O leitor atento perceberá que a leitura registrada por
qualquer de seus auxiliares para um evento que ocorra junto a este não
coincidirá com a leitura presente no relógio fixo junto ao pulso do observador
principal quando este evento for por ele percebido na origem do sistema de
coordenadas, sendo aquele valor e não o do relógio na origem do sistema o tempo
coordenado t do evento neste referencial. Para que o observador na origem
observasse todos os relógios de todos os seus assistentes marcando, em uma
imagem instantânea (fotografia) por ele tirada, sempre o mesmo valor, os
respectivos relógios dos assistentes teriam que ter sido previamente ajustados,
no processo de sincronia descrito acima, não com um valor unitariamente igual
mas sim com um valor igual a duas vezes o necessário para a luz ir da origem
até o ponto onde se encontram - com os dobros dos valores com os quais
realmente foram e são segundo as regras ajustados, portanto. Conforme
corretamente sincronizados, contudo, uma fotografia de seus auxiliares tirada
pelo observador na origem revelaria que o relógio de qualquer auxiliar mais
distantes é por ele visto sempre atrasado em relação ao relógio de qualquer
auxiliar situado em posição mais próxima. O tempo t de um evento em um dado
referencial corresponde assim ao mesmo que seria registrado caso se houvesse
apenas um observador, o situado na origem, e apenas um relógio, o situado na
origem, contudo subtraído do intervalo de tempo necessário para a luz propagar-se
do local de ocorrência do evento - do local onde encontra-se o auxiliar que
registra o evento - até o observador na origem do sistema de coordenadas. Se o
evento é visto na origem quando o relógio ali situado indica um valor T , o
tempo t do evento no sistema de coordenadas atrelado ao referencial é então T =
t - r/c ; c representado a velocidade da luz e r a distância espacial - em
linha reta - do local de ocorrência do evento à origem. r/c representa o tempo necessário para a luz
propagar-se do evento à origem.
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